Da Guiné Equatorial para o MUNDO J !

19-08-2013 12:19

Escrevo a partir de longe, tão longe que a distância não daria para realizar uma atividade de Carnaval tipo 100 Travões…não por falta de força e vontade dos participantes, mas porque em 4 dias de um qualquer Carnaval talvez não conseguíssemos chegar aqui a pedalar.

Como alguns devem saber, nesta fase da minha vida estou longe…escrevo a partir da Guiné Equatorial, um país onde se está longe de tudo e todos, em que o desenvolvimento está muito longe de ser parecido com o do nosso país, e onde principalmente a vida corre a um ritmo difícil de aceitar para quem não gosta de estar parado.

A Guiné Equatorial é um país onde por vezes é difícil apercebermo-nos do realismo de tudo o que se passa ao nosso redor. Desde as situações mais comuns do dia-a-dia até à simplicidade de uma natureza em puro estado selvagem, tudo aqui nos deixa de boca aberta. Seria por um lado fácil contar-vos uma data de histórias que têm tanto de inacreditável como de inesquecível, mas ao mesmo tempo seria difícil descrevê-las da forma mais rigorosa. A vida aqui como já devem ter percebido corre devagar…o meu lema aqui já é “aqui nada é garantido…mas no final tudo bate certo”. Aqui vivemos com condições de habitabilidade iguais às que temos em Portugal (exceto nos dias em que temos água e luz mas não temos internet…depois há dias em que temos internet e luz, mas não temos água…e há ainda dias em que temos água, mas não temos internet porque não há luz), enfim uma aventura.

As pessoas aqui vivem numa descontração inquietante. Tendo em conta que têm um nível de vida baixíssimo, deixam a vida correr a um ritmo abaixo de lento, sem grandes preocupações com o dia de amanhã, nem grandes recordações do dia de ontem…simplesmente vivem, ou como eu costumo dizer, sobrevivem. A grande maioria da população vive abaixo do limiar da pobreza, em casas de madeira sem água nem saneamento básico, eletricidade, e até mesmo sem portas ou janelas, porque no entender deles não há nada para proteger nem para roubar. A mentalidade é a de viver um dia de cada vez…não há que projetar o futuro nem lamentar o passado…dinheiro ganho é dinheiro gasto no dia em que se recebe e o que mais me revolta é que pode não haver dinheiro para combustível para o carro ou para comida, mas a única coisa para a qual nunca falta dinheiro é para beber. É uma cultura muito enraizada e que custa muito a aceitar. Depois existem coisas como as regras de trânsito e a forma de condução…as rotundas não têm sentido de rotação, nem as autoestradas sentido de circulação…aqui um carro que não tenha buzina não é um carro…pode não ter portas, ter contraplacados no lugar das janelas, estar pintado de todas as cores ou por exemplo não ter faróis, mas buzinar é essencial. 

A nível de trabalho, faço o mesmo aqui que faria noutro local qualquer do mundo, com a benesse de estar no meio de uma natureza e de um ar puro como nunca respirei em qualquer outra parte. É certo que se corre riscos…existem doenças às quais estamos expostos, mas que, com um mínimo de cuidados se evitam quase sem esforço algum.

Aqui o maior obstáculo é mesmo a saudade. As saudades aqui são diferentes…quando somos estudantes como muitos de vocês são, passamos a semana longe da família e sentimos saudades, mas sabemos que ao fim de semana, depois de uma viagem mais ou menos longa abraçamos os nossos pais e os nossos irmãos. A esta distância isso não existe…existe todos os dias um pouco de som e imagem que nos fazem chegar mais perto, mas que ao mesmo tempo nos mantêm tão longe. Alguns dias depois de chegar aqui, e à velocidade que as coisas correm, damos por nós a começar uma contagem decrescente para a viagem de regresso. Outro dos meus lemas é “cada dia de trabalho que passa, é um dia a menos que se está aqui”. Pode parecer com esta frase que se está mal aqui, mas não…pelo contrário…estas são experiências que nos fazem crescer e desenvolver muito…é algo comparável ao primeiro choro de um bebé durante o parto, que serve para abrir os pulmões e começar a desenvolver algo tão vital como a respiração.

Até agora o trabalho tem corrido muito bem…a obra na qual participo, é a construção de raíz de uma nova capital para este país…no meio da selva está a nascer, do nada, uma cidade para cerca de 170 mil pessoas, com todas as infraestruturas ao nível de uma qualquer capital europeia. É muito desafiante e ao mesmo tempo extenuante.

O privilégio de participar num projeto destes retira-nos outros privilégios não menos valiosos e reconfortantes, e poder estar com todos vocês no dia em que mais uma semana do Mundo J acabar é um privilégio que este ano não vou ter. Sei o valor e o significado que tem uma semana como esta para todos vocês, porque também eu felizmente, tive muitas semanas assim, em que recebi, aprendi e desenvolvi muitos dos valores que hoje orientam e dão rumo à minha vida.

Aproveitem cada momento, e ganhem forças para mais um ano, seja ele de trabalho, ou estudo, perto ou longe daqueles que mais gostarem. Para terminar deixo-vos 1 imagem marcante nesta minha passagem por aqui. É o meu novo amigo. Chama-se Rai e uma simples lata de refrigerante que ás vezes lhe dou á hora do almoço significa muita na sua ainda curta vida!

Beijinhos e abraços!

Pedro Farinha

NOTA:  Este texto foi partilhado pelo Pedro com a família que por sua vez o envia ao jornal  para que sirva de estimulo a quem dele precisar!